quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Manet, sobre o Rio de Janeiro - século XIX

“Do porto do Rio de Janeiro”


Querida mamãe,


Contei-te na minha última carta que tínhamos chegado ao Rio de Janeiro. A baía, como disse, é encantadora. Tivemos, enfim, condições de apreciá-la devidamente, pois pudemos desembarcar no domingo seguinte. (...) No domingo após a missa, (...) desembarquei em companhia do senhor Jules Lacarrière, um rapaz da minha idade. Ele conduziu-me à residência de sua mãe, uma modista da rua do Ouvidor, que possui uma pequena casa de campo, bem brasileira, a cinco minutos da cidade. Almocei e jantei em companhia de sua família, que é formada pelo filho mais velho, por um rapazote e por uma filha de 13 anos. Fui recebido por todos de braços abertos. Melhor, impossível! Após o almoço, eu e meu novo amigo saímos para percorrer a cidade, que é de tamanho considerável, mas conta com ruas muito estreitas. Para um europeu com um mínimo de senso artístico, o Rio de Janeiro tem um aspecto bastante peculiar. Pelas ruas vêem-se somente negros e negras, pois os brasileiros saem pouco, e as brasileiras, menos ainda. As mulheres podem ser vistas somente quando vão à missa ou depois do jantar, ao entardecer, quando aparecem em suas janelas. Nessas ocasiões, é possível olhá-las sem nenhum impedimento. Durante o dia, ao contrário, se por acaso alguma delas é avistada na janela e percebe que está sendo observada, imediatamente se retira. Neste país, todos os negros são escravos e têm um aspecto embrutecido. O poder que os brancos exercem sobre eles é extraordinário. Tive a oportunidade de visitar um mercado de escravos: espetáculo bastante revoltante para nós. Os negros vestem, em geral, uma calça e, por vezes, uma blusa curta de pano grosseiro, não lhes sendo permitido, dada a sua condição de escravos, o uso de sapatos. As negras andam nuas da cintura para cima, portando algumas vezes um lenço atado ao pescoço, que cai sobre o peito. Em geral são feias, ainda que tenha visto algumas bem bonitas. A maioria se arruma com muito gosto: umas usam turbantes, outras arranjam os cabelos crespos com muita arte e todas vestem umas saias decoradas com enormes folhos. As brasileiras são, em geral, muito bonitas. Seus olhos e cabelos são magnificamente negros. Todas penteiam-se à chinesa, saem às ruas descobertas e, tal como nas colônias espanholas, vestem-se com uma roupa muito leve, que não estamos acostumados a ver. As mulheres aqui nunca saem sós, mas sempre acompanhadas de suas negras ou de seus filhos, já que se casam com 14 anos ou menos. Visitei várias igrejas. Nenhuma delas é comparável às nossas: são cobertas de dourado e totalmente iluminadas, mas sem qualquer gosto. Há, na cidade, diversos conventos, entre os quais um convento italiano, onde os religiosos usam capuz e uma longa barba. Nesta cidade, utiliza-se somente papel-moeda ou moedas de cobre, e tudo é terrivelmente caro. As brasileiras do Rio fazem-se transportar em palanquins, mas há também carros e ônibus puxados por mulas, que aqui fazem as vezes dos cavalos. Ia me esquecendo de comentar que o palácio do imperador é um verdadeiro casebre, bastante mesquinho. De resto, o governante quase não ocupa esse prédio, preferindo antes residir num castelo de nome São Cristóvão, situado a pouca distância da cidade. (...)


Adeus, querida mamãe. Encerro esta carta, pois vai partir um paquete inglês. Abraço-te ternamente, assim como a papai, meus irmãos, a vovó, a Jules etc. Manda lembranças minhas a titia, a Edmond e a Marie.


Teu filho respeitoso,


Edouard Manet.


(MANET, 2002, p. 54).


Carta escrita em 1848 pelo pintor francês Edouard Manet (1832-1883), quando de sua viagem ao Rio de Janeiro a bordo do navio Havre et Guadaloupe.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Egipto - Final do II milênio aC.

“Ó, bem-amada. Desde que dormi consigo, você amotinou meu coração.
Quer ele se rejubile ou chore, não se afaste de mim.
Meu coração se apodera de você.
Quando me acho entre os seus braços, faço tudo o que você quiser.
Meu desejo é minha máscara.
Quando vejo você, meus olhos brilham.
Achego-me bem a você, para enxergar o ser Amor.
Essa hora, é a mais bela entre todas as horas, possa ele ampliar-se até a Eternidade.
Gostaria de ir a um lago para banhar-me em tua presença.
É doce entrar no lago e mergulhar diante dos teus olhos.
Mostrar-me diante dos teus olhos.
Mostrar-te a minha beleza, quando a minha veste, neste linho digno de uma rainha, se molha, adere, modelando cada curva deste meu corpo.
Desço à água contigo e entro antes de ti.
Venho ao teu encontro, com um lindo peixe vermelho pousado nas minhas mãos.
Vem ver-me”

Carta de amor em papiro.


Egipto - Final do II milênio aC.

sábado, 21 de agosto de 2010

um dia, acertamos

Hoje, enquanto lia o capítulo de um livro para posterior fichamento, deparei-me  com uma citação de ” Francis Bacon” que acho interessante postar aqui:


“A verdade surge mais facilmente do erro do que da confusão”.


E, a partir dessa citação lembrei-me do trecho de um livro que li e gostei muito, ” Os sofrimentos do jovem Werther” , eis Goethe, aliás, Werther:


“Isso não era novidade para mim, pois, durante o trajeto, as outras moças mo tinham dito e, no entanto, pareceu-me uma revelação, porque eu ainda não tinha ligado essa idéia à outra que se me tornou, em poucos momentos, tão cara. De repente, perturbei-me, perdi a cabeça, troquei tudo e lancei a confusão na dança, de sorte que foi preciso a presença de espírito da Carlota, a qual, fazendo um grande esforço, fez que eu entrasse na ordem e a restabeleceu imediatamente.”

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

leitura romanceada

Assim escrevera o poeta, romanceando  o momento, e, enquanto o fazia tinha seus olhos cobertos por um manto de lágrimas tão transparentes e preciosas como as águas que deitadas corriam sobre aqueles solos da mais elevada altitude das terras fluminenses, parte de si.


Sua voz traspassou seu tempo e sobrevoou, feito um pássaro errante de mais belo canto, versejou por todos os vales, planícies, planaltos ou  cumes das mais altas montanhas de norte a sul, na vastidão das terras  da Pátria Amada.


Não importasse, para ele, em quais margens da fronteira pudesse se encontrar, que seu canto sempre seria feliz enquanto escutava o pulsar do coração de sua Pátria-Mãe, Terra Adorada.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Michelangelo: um moderno, renascentista , artista que teve alguns versos

"Non ha l'ottimo artista alcun concetto
ch'un marmo solo in sé non circoscriva
col suo soperchio, e solo a quello arriva
la mano che ubbidisce all'intelletto.
Il mal ch'io fuggo il ben ch'io mi prometto
in te, donna leggiadra, altera e diva
tal si nasconde, e perch'io più non viva
contraria ho l'arte al disiato effetto



["Não tem o ótimo artista algum conceito/ que um só mármore em si não circumscreva/com o que sobra, e a ele só chega/ a mão que obedece ao intelecto./ O mal que fugio, o bem que eu me figuro/ em você, mulher bela, soberba e divina/ assim se esconde/ e como para que eu não viva/ a arte contraria o desejado efeito."]

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

A evolução dos vampiros






Retomando o tema “Vampiros” que muito me agrada, por uma série de fatores que em outra oportunidade irei aqui explicitar. Vejo-me, neste momento analisando o belo sentido da coisa, ou melhor, do termo “vampiro” e sua evolução favorecida por seus criadores porque aquele modifica também é modificado. Logo, os vampiros ao humanizar-se sob vários aspectos de sua existência, nos conduz assim, a analogia entre os comportamentos desses seres fictícios aos dos da humanidade que habita entre nós. Algo impar, porque se para o homem não é nada fácil ser humano em sua plenitude, quanto mais aos vampiros o serem.


Certamente, os vampiros nasceram rudes e monstruosos no submundo, mas, no mundo da ficção fantasia da imaginação fértil de incríveis autores, e , logo, por isso no decorrer do tempo sob a possibilidade desses seres se polirem e se melhorarem, foram conduzidos por seus autores a trilharem para o ápice do cume da evolução que existe, pois qual pai e mãe não dariam a seus filhos uma segunda chance?


Bram Stoker, um escritor irlandês que fez grande sucesso com seu famoso romance Drácula, lançado em 1897, nos trouxe um vampiro contextualizado no cenário de prestigio econômico de uma Inglaterra sob a corrida Imperialista de dominar o mundo, certamente, teve ele acesso as obras de Darwin e seus conceitos sobre Teoria da Evolução das Espécies de meados de século XIX, por exemplo. E, num contexto literário de pós-romantismo e simbolismo de final de século, Bram Stoker deu ao seu vampiro um teor de muito mistério e ficção junto ao frenesi do momento de evolução das ciências médicas que apresentavam ao mundo a transfusão de sangue dentre outras evoluções, também tinha o fato de que o irmão mais velho de Bram Stoker era um médico e talvez lhe tenha sido um referencial importante.


O conde Drácula, de Bram Stoker, é um nobre da Hungria, porém bem rude, mas que ao ter contato com a civilização inglesa e a possibilidade de provar o amor Mina Murray-Harker sob essência e memória de sua outrora amada, Elisabeta, torna-se um cavalheiro romântico e civilizado. Claro que ele não se refina de uma hora para outra e comete uma série de crimes e barbáries aos olhos dos humanos humanizados.


Autora do famoso best-seller Entrevista com Vampiro e outras muitas séries de livros com o tema Séries Vampirescas, Anne Rice, é uma de minhas escritoras prediletas. Ela nos trouxe a grande leva de vampiros tomados de paixões humanas físicas e mentais, e sob amplo aspecto buscou explorar a necessidade que eles sentiam de compartilhar com os humanos a parte humana que guardavam de si em suas próprias memórias quem sabe já que interpretações são bem subjetivas.


Anne Rice, explora a vida e a existência de seus personagens na linha do tempo, evidenciados nos períodos que a História nos revela. Nota-se a evolução dos vampiros de Anne Rice conforme a Humanidade se evolui, porém, a maioria de seus vampiros ainda são bem cruéis e afloram seus instintos selvagens no momento de se alimentarem, tudo que tanto anseiam. Nós , homens, também somos capazes de nos retrair da civilidade em prol da sobrevivência. Estes dias, num triste documentário que assisti na TV, sobre a fome que acomete o Haiti no pós-terremoto, um psiquiatra falando sobre a “fome” que induz nosso cérebro recorrer a sua camada mais interna e primitiva, bem longe da região periférica , o córtex , ao hipotálamo, tornamo-nos animais bem agressivos e selvagens diante da fome que acomete, portanto, diante da possibilidade de não existirmos mais nos tornamos agressivos e assim somos a pura e crua auto-sobrevivência.


O clã evoluiu. E evoluiu em amplo sentido, como no sentido de dosar seus instintos e darem a si uma nova configuração sob novas possibilidades de boas condutas, por assim dizer, nasce entre alguns vampiros uma ética boa. A busca de uma evolução quase humana e convencionada onde conter-se, manter o controle sobre si mesmo é mais que uma grande virtude, mas uma realização sublime. Um exemplo disso, cito a obra Crepúsculo da autora Stephenie Meyer que nos traz vampiros civilizados e bons, além dos brutos e maus como os bárbaros infratores e dementes. Os mocinhos da trama de Meyer são realmente como os bons moços que conhecemos, intelectualizados ou não, são eticamente corretos como em qualquer sociedade humanizada.


Numa breve conclusão, é a capacidade de amar, uma questão de psique e fisiologia, a possibilidade de se sentirem vivos por conta deste sentir que é a mola mestra da evolução dos vampiros de Bram Stoker, Anne Rice e Stephenie Meyer, sendo este aspecto um tema que pretendo abordar em outra oportunidade.